quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Pavus hominis

 - Então quer dizer que você acha que as pessoas ostentadoras são pavões?

- Você simplificou, mas sim digamos que é isso sim.

- Desenvolva...

- Bem, certa vez eu li que os que toda aquela plumagem exuberante, colorida e elegante, não tem nada de necessário a não ser atrair parceiras para passar seus genes adiante. Ou seja, aqueles que têm a mais vistosa e chamativa plumagem, atraem fêmeas em potencial. Tal qual os ricos opulentos, que além de atrair  atenção de mulheres (fúteis é bem verdade) conseguem chamar atenção de outros homens que tentam ser iguais.

- Faz sentido...

- Porém, os pavões se colocam em situação de risco, pois além de chamarem atenção para fêmeas, chamam atenção de potenciais predadores. Uma faca de dois gumes. A arte da sedução pode passar seus genes adiante ou selar seu fim. 

- Interessante...

-Com os humanos acontece algo parecido. Porém existem aqueles que ostentam o que tem, e aqueles que ostentam o que não tem. A mágica da simulação.

- E do cartão de crédito, cheque especial...

- Exato. A partir daí o ser humano ostentador se aproxima do seu pior inimigo... a falência. E ela costuma ser implacável aos seres despreparados para enfrentá-la. Mas antes de tudo, esses seres desgraçados fazem de tudo para aparentar que foram bem sucedidos em alguma coisa, que jamais dominaram. E tentam atrair uma multidão com palavras vazias, antes de cairem completamente em desgraça e serem engolidos aos poucos, pelo Serasa, spc , agiotas...

- E daí geralmente caem na desgraça da depressão abuso de drogas e coisa e tal?

-Pior meu amigo...

-Idas intermináveis aos puteiros, sífilis, gangrenas?

- Um pouco mais ruim...

-Suicídio, homicídio, roubo, vilipendio de cadáver????

- Ficam igual a mim, meu caro...

-Viram sábios?

-NÃOOOOOO. VIRAM COACH.. MEU DEUS...VIRAM COACH.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Sorte?

 

Martin achou uma pedra no chão. Na verdade, a pedra encontrou o dedão de Martin exposto no chinelo, enquanto ele caminhava. Os nervos do dedão não gostaram do encontro e encaminharam uma mensagem ao cérebro de Martin. Uma mensagem de insatisfação que saiu de sua boca de maneira muito clara, para que o mundo pudesse ouvir:

- Filha da puta! Desgraça! Vai tomar no cu!

No ímpeto de raiva, dor e lágrimas, Martin pegou a pedra e quis arremessá-la longe. Chegou a movimentar seus braços de forma olímpica e no último instante antes do arremesso que lhe valeria o ouro,  cessou o movimento e olhou para a pedra: era vermelha.

Martin com seus 40 anos já não sabia se tinha fudido demais sua vida, ou ela é que havia lhe fudido. Já estava num patamar em que na sua vida não acontecia muita coisa. De um sujeito como ele, esperava-se que poderia ganhar no jogo do bicho, cair de bicicleta ou arrebentar o dedão. Arrebentou o dedão.

A raiva  de Martin foi se esvaindo e se transformando em absoluta admiração ao seu algoz: um pedaço grande de pedra polida, do tamanho de um punho e que se parecia muito um punho fechado. Um punho fechado que tinha socado seu dedão. E era vermelho.

Correu o mais rápido que pode - dado as suas atuais condições de novo manco- até sua casa. Brigou com a porta, cuja chave recusava-se a girar. “– Tenho que consertar essa porra um dia! “. Entrou, foi até geladeira atrás de gelo para pôr no pé e lembrou que nunca havia feito gelo naquela casa, não seria hoje que teria. Deu de ombros. Pegou um dos últimos goles da pinga que tinha, achou uma bituca de cigarro, sentou-se à mesa, esticou as pernas e pôs-se a admirar o incauto objeto frente ao rosto.

Era uma figa. Um talismã. “Teria tropeçado na sorte e o mundo giraria ao contrário do que sempre girou para mim.” Pensou, dando o belo e único trago que poderia ser dado na bituca.

Não era supersticioso nem nada. Mas naquele dia estava sendo. Por causa de um sonho. Havia sonhado alguns dias atrás. Há muito que não o fazia. Tempos que na verdade, nem dormia. Num dia desses caiu nos braços de Morfeu e sonhou. Sonhou que andava num sem fim verde e primitivo, com cachoeiras, árvores frondosas, pássaros cantarolando e toda aquele cenário que são os sonhos disneilandianos.

 Passeando embasbacado em seu belo sonho, eis que Martin se vê em perigo. Estava sendo perseguido por uma besta amorfa e fugindo desesperado mata adentro, cruzando as mais belas paisagens que já havia visto, sem ao menos poder contempla-las como elas mereciam. Ou como ele merecia. Montanhas nevadas se misturavam com desertos de areia e rios que pareciam mares. O dia virou noite.  Correu durante a noite também, e pode ver milhares de dezenas de bilhões de estrelas cintilando na perpétua aura celeste. Havia uma relva macia e com agradável perfume. Sentiu que poderia dormir ali mesmo. Um sono dentro seu próprio sono. Seria uma maravilha se não houvesse a besta amorfa em seu encalço. E antes que ela possa lhe alcançar ele cai no vazio, despenca alguns milhares de metros, rodopiando numa espiral de surrealismo acachapante e alucinado, até parar na lama. Estava a salvo, mas extremamente sujo. Tentou sair. Não conseguiu. Mais uma vez. E afundou um pouco mais. Enervou-se. A lama era areia movediça. Desesperado e quase se afogando naquele charco espesso, observa uma gigante figa vermelha vindo em sua direção. Seria sua salvação. Ele tenta agarrar-se a ela para sair daquele inferno, mas a figa impiedosamente o acerta com um cascudo e sela seu trágico fim. Martin desperta suado e inconsolável. Suado pois o ventilador pifou. Inconsolável porque ainda estava vivo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Liberdade livre

 

- Escreve um conto caralho.

- Por que?  E sobre o que?

-Sei lá porquê! Escreve sobre coalas albinos.

- Coalas Albinos! Eu não sei nem o que pensar sobre isso.

- Aí que é melhor. Você não vai ter preconceitos, fica livre de julgamentos e deixa sua mente pairar por aí.

- Eu não tenho essa capacidade de deixar a mente passear por aí.  O álcool não me causa isso. Cerveja só me faz pensar em mijar. Cachaça é muito forte. Preciso ainda comprar limão e gelo. Dá trabalho. Whisky só me faz pensar que eu gastei a grana da conta de energia para comprar a garrafa. Será que se eu fumasse maconha?

-  Você só vai saber se experimentar. Um bom motivo pra começar a usar.

- Creio que não. Das poucas vezes que experimentei meu cérebro ficou travado. E eu não conseguia concatenar uma ideia. Começava a fazer comida e no fim eu me pegava dando milho das galinhas pros cachorros. E minha comida tinha queimado.

- Eu acho que você tá com desculpa...

- Pra não escrever um conto ou não fumar baseado?

- Os dois.  Eu acho que ambos ajudariam a você a experimentar uma liberdade que está acima daquela que a maioria das pessoas almeja.

- Eu almejo também?

- Sim. Todo mundo. Aquela liberdade de ir e vir. De fazer o que quiser, o que bem entender, sem se preocupar com regras, leis, comportamentos... A liberdade que passa por cima de tudo. Essa liberdade é muito fútil, todo mundo quer. Acredito que as pessoas com muito dinheiro conseguem chegar bem perto. 

- Então, eu e você estamos fudidos... essa daí nunca vamos ter....

-Quase certo que não. Porém, escrevendo ou fumando, a liberdade experimentada é uma liberdade muito pessoal. De se deixar divagar em nuances de pensamento e fluxos de euforia que ultrapassam a tinta da caneta e por vezes, uma risada.

- A euforia do baseado é o da caneta ou o da risada? Agora eu to ficando confuso.

- Tanto faz. Essa liberdade é livre de amarras... Sacou? Liberdade Livre! Dá até nome de música!

 - Ta mais pra pleonasmo de gente chapada!

 - Livre-se das amarras da gramática então estará livre para voar nas páginas da literatura.

-Porra!!!!! Essa frase é sua?

- Acho que sim.

-  Bem seu estilo! Uma bosta.

- Vamo focar no que interessa. Dizia eu que a escrita e a maconha...

- Peraí! Interessa a quem? No momento, eu não to interessado em nenhum dos dois, a não ser sair e comprar uma cerveja.

- Mas a mim interessa. E você não precisa falar a respeito, só ficar quieto e se comportar como um bom ouvinte. Se bem que...Minha boca ta seca mesmo, vamo pegar o carro e comprar umas cervas.

****

- A morte dos insetos batendo no para-brisa do carro são uma bela forma de morrer, você não acha?

-Cara eu só queria tomar uma cerveja, e até agora você já me fez pensar em começar a escrever, se eu devo usar drogas, e morrer como inseto... e ainda não tomei uma cerveja sequer.

- Pensa bem. Você seguindo com sua vida insignificante. Voando prum lado e pro outro. Fazendo mel, ou carregando bosta, dependendo do tipo de inseto. E nesse vai e vem... plaaaaash. Sua vida acaba, e seus restos mortais são esguichados para fora do para-brisa com a água do limpador. O inseto não tinha menor consciência da sua existência e de seu papel no mundo, mas o responsável pela sua morte talvez tenha, e talvez ignore sua morte tanto quanto sua vida. O fato é que tão insignificante quanto foi a sua vida, insignificante foi a sua morte. Isso talvez é a essência da liberdade. Você não é importante para ninguém. Nem sua presença, nem sua ausência.

- E?

- E o que? Acho que você pode complementar com algo...

- Não até tomar minha cerveja. Você na direção, parece uma lesma a caminho do açougue.

- Porque uma lesma iria ao açougue?

- Ah sei lá. Mas ela já vai devagar para qualquer lugar, imagina pra um açougue que não faz sentido nenhum ela ter de ir .

- A lesma pode estar certa. Às vezes, diminuir a velocidade da vida e seguir um caminho aleatório pode fazer você aumentar seus momentos de contemplação.

- Nossa senhora. O lugar para comprar a cerveja é muito longe?

***

-Enfim a cerveja almejada. O objetivo da minha noite foi alcançado, pode continuar com seus pensamentos inebriados, ó grande pensador.

- Belo objetivo de vida você tem. Tomar uma cerveja...

- Não. Eu disse objetivo do dia. Não da vida.

- Mas sua vida é o dia que você tem. Na verdade, o momento que você tem. Não o que já foi. Nem o que vai ser. É cada ação que você está projetando para cumprir um objetivo mais próximo. Você pode acabar como daqueles insetos no para-brisa. Você saiu para ir comprar uma cerveja e BAM!  Sua vida acaba, e você saiu para ir atrás de uma cerveja.

- Cara. Você ta me deprimindo. Essa cerveja já desceu até travando. Quer dizer que agora eu tenho que viver cada momento com um objetivo nobre. Meu objetivo no próximo minuto é alimentar uma criança faminta. No próximo ajudar uma velhinha atravessar a rua.

-Se você achar que é isso vai em frente. Mas na verdade você tem estar ciente que você só tem esse momento que.... puff! já passou... e esse outro momento também, que  Pufff! ... já passou. E assim a vida vai passando. Momento por momento. Cabe você escolher como aproveita-los e com quem aproveitá-los.

- Nesse momento já tô arrependido de estar dividindo o momento da minha cerveja com você.

-Obrigado. Isso pra mim é elogio. Pelo menos to me fazendo entender.

- Preferia não entender.... Agora voltando aos insetos no para-brisa. Um inseto pode até não fazer falta. Mas vários... imagino que pode causar um desequilíbrio ecológico e coisa e tal. Lembra do lance das abelhas? Que se elas sumissem, a vida na terra meio que fica ameaçada.  E se várias pessoas como eu sumissem?

- Você poliniza alguma coisa?

-não!

- Você ajudou alguém hoje?

- não!

-Mas você comprou sua cerveja e está satisfeito?

-Sim.

- Então você já pode morrer. Quem ficaria triste seriam as fábricas cervejeiras.

- Mas eu quero fazer tanta coisa na vida!

- E de que maneira tomar essa cerveja ta te ajudando a fazer aquilo que você quer fazer na sua vida?

- .....

- Você é insignificante com relação ao universo. E não há nada errado com isso. A partir do momento que você tem a plena consciência disso, você chega a se sentir livre. Depende de como você vai lidar com sua insignificância. Uns tendem a atirar na própria cabeça. Que é uma forma de liberdade. Trágica. Mas liberdade. Outros conseguem conviver completamente insatisfeitos e felizmente deprimidos com isso. Viram até escritores, cantores de rock, apresentadores de programas de culinária. Ou tudo isso junto. Alguns desses também atiram na própria cabeça depois de um certo tempo.

- Eu sei como essa cerveja me ajudou...

- Como?

- Vou escrever sobre a compra dessa cerveja.