Martin achou uma pedra no chão. Na
verdade, a pedra encontrou o dedão de Martin exposto no chinelo, enquanto ele caminhava. Os nervos do dedão não gostaram do encontro e encaminharam uma
mensagem ao cérebro de Martin. Uma mensagem de insatisfação que saiu de sua
boca de maneira muito clara, para que o mundo pudesse ouvir:
- Filha da puta! Desgraça! Vai
tomar no cu!
No ímpeto de raiva, dor e lágrimas,
Martin pegou a pedra e quis arremessá-la longe. Chegou a movimentar seus braços
de forma olímpica e no último instante antes do arremesso que lhe valeria o
ouro, cessou o movimento e olhou para a pedra: era vermelha.
Martin com seus 40 anos já não
sabia se tinha fudido demais sua vida, ou ela é que havia lhe fudido. Já estava
num patamar em que na sua vida não acontecia muita coisa. De um sujeito como ele,
esperava-se que poderia ganhar no jogo do bicho, cair de bicicleta ou
arrebentar o dedão. Arrebentou o dedão.
A raiva de Martin foi se esvaindo e se transformando em absoluta admiração ao seu algoz: um pedaço grande de pedra
polida, do tamanho de um punho e que se parecia muito um punho fechado. Um
punho fechado que tinha socado seu dedão. E era vermelho.
Correu o mais rápido que pode -
dado as suas atuais condições de novo manco- até sua casa. Brigou com a porta,
cuja chave recusava-se a girar. “– Tenho que consertar essa porra um dia! “. Entrou,
foi até geladeira atrás de gelo para pôr no pé e lembrou que nunca havia feito
gelo naquela casa, não seria hoje que teria. Deu de ombros. Pegou um dos
últimos goles da pinga que tinha, achou uma bituca de cigarro, sentou-se à mesa,
esticou as pernas e pôs-se a admirar o incauto objeto frente ao rosto.
Era uma figa. Um talismã. “Teria tropeçado
na sorte e o mundo giraria ao contrário do que sempre girou para mim.” Pensou,
dando o belo e único trago que poderia ser dado na bituca.
Não era supersticioso nem nada. Mas
naquele dia estava sendo. Por causa de um sonho. Havia sonhado alguns dias
atrás. Há muito que não o fazia. Tempos que na verdade, nem dormia. Num dia desses
caiu nos braços de Morfeu e sonhou. Sonhou que andava num sem fim verde e
primitivo, com cachoeiras, árvores frondosas, pássaros cantarolando e toda
aquele cenário que são os sonhos disneilandianos.
Passeando embasbacado em seu belo sonho, eis
que Martin se vê em perigo. Estava sendo perseguido por uma besta amorfa e fugindo
desesperado mata adentro, cruzando as mais belas paisagens que já havia visto,
sem ao menos poder contempla-las como elas mereciam. Ou como ele merecia. Montanhas nevadas se misturavam com desertos
de areia e rios que pareciam mares. O dia virou noite. Correu durante a noite também, e pode ver
milhares de dezenas de bilhões de estrelas cintilando na perpétua aura celeste.
Havia uma relva macia e com agradável perfume. Sentiu que poderia dormir ali
mesmo. Um sono dentro seu próprio sono. Seria uma maravilha se não houvesse a
besta amorfa em seu encalço. E antes que ela possa lhe alcançar ele cai no vazio,
despenca alguns milhares de metros, rodopiando numa espiral de surrealismo acachapante
e alucinado, até parar na lama. Estava a salvo, mas extremamente sujo. Tentou
sair. Não conseguiu. Mais uma vez. E afundou um pouco mais. Enervou-se. A lama era areia movediça. Desesperado e quase se afogando naquele charco espesso, observa
uma gigante figa vermelha vindo em sua direção. Seria sua salvação. Ele tenta
agarrar-se a ela para sair daquele inferno, mas a figa impiedosamente o acerta
com um cascudo e sela seu trágico fim. Martin desperta suado e inconsolável. Suado
pois o ventilador pifou. Inconsolável porque ainda estava vivo.